sábado, 16 de maio de 2009

Notável manhã

Há momentos de leitura que são como se de súbito ante um espelho nos reconhecêssemos. Sucedeu isso esta manhã com uma entrevista de Clarice Lispector, concedida no dia 20 de Outubro de 1976 no Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro. A conversa foi conduzida pelos escritores Affonso Romano de Sant'Anna e Marina Colasanti. O enredo vem no livro Outros Escritos, colectânea que Teresa Montero e Lícia Manzo organizaram para a Rocco.
Entrevista de vida, errática e incerta, esta toca num momento da juventude em que estudou Direito, estudou «advocacia» como ela se exprime. A pergunta surgiu então inevitável: «Mas você nunca advogou?», pergunta Affonso. A resposta foi não. «Aliás, Sa Thiago Dantas dizia que quem vai ser advogado por causa de Direito Penal não é advogado: é literato». Notável manhã!

Perdidos e achados

Chegou ontem. Ele e outros. Oferta gentil. Dia péssimo de preocupações e de ocupações. Só de noite tive tempo de o folhear. Editado pelo Centro Cultural Banco do Brasil. É-lhe dedicado esse pequeno álbum, editado em 2008. Em colaboração com a Petrobras é o que fica como memória de uma exposição em sua homenagem. Outra ocorreu em 1992.
Antecipa a fotobiografia. Sempre desejei vê-lo. Agora tenho-o. Fico grato a quem o deu. São fotos, excertos, documentos, pequenos momentos em tumultos a lembrar quem é. Não se pode dizer quem foi. Chamo em mim o desejo de alegria pela vontade de ler. Está sol na rua. «Escrevo-te em desordem, bem sei. Mas é como vivo. Eu só trabalho com achados e perdidos». Obrigado Ernani. Muito obrigado.

domingo, 10 de maio de 2009

A culpa

Foram só mais uma folhas. Poucas. O livro tem cerca de trezentas e cinquenta páginas, ainda vou, vagaroso, na página setenta e três. Não consigo ir mais depressa. Cada palavra sufoca. Um pouco antes tinha surgido Ermelinda, a prima de Vitória: «tendo transferido para Ermelinda o desgosto que sentia contra a própria estupidez, sentiu-se sem culpa nenhuma». Ainda é A Maçã no Escuro. Não tenho culpa. Leio devagar.

domingo, 3 de maio de 2009

O caminho da cólera

Impossível não ler muito devagar, não ficar ofegante pelo respirar tumultuoso dos sentidos que esta escrita desperta. «Não era ódio - era uma amor ao contrário, e ironia, como se ambos desprezassem a mesma coisa», sente o homem que é Martim e a mulher de quem não sei ainda o nome. «E porque aquele homem parecia não querer nunca mais usar o pensamento nem para combater outro pensamento - foi fisicamente que de súbito se rebelou em cólera, agora que enfim aprendera o caminho da cólera». Foram mais umas folhas apenas, esta amanhã, não páginas abstractas de uma literatura feita de letras, mas pedaços arrancados ao imaculado desejo de ler. Ao regressar, o jardim das roseiras olhou-me, recatadamente intrigado, murmurando um olá.